Viajar, nos tempos modernos, tornou-se um produto de prateleira. Os pacotes são vendidos como sonhos instantâneos: cinco países em dez dias, com café da manhã incluso e alma excluída. Mas a autêntica experiência cultural, aquela que se entranha nos ossos e deixa marcas no espírito, raramente se encontra em frente ao monumento mais fotografado.
Está, quase sempre, escondida na segunda rua à esquerda, onde o mapa turístico termina e a vida real começa. A cultura, afinal, não é um show para o visitante: ela se move quando você para, ela fala quando você escuta, ela sorri quando você perde o medo de parecer ridículo tentando pronunciar “obrigado” com um sotaque inaceitável.
A experiência autêntica não se resume a “comer como um local”, embora esse seja um ótimo começo, especialmente se o prato em questão for impronunciável e a aparência duvidosa. É na troca de olhares com o dono do restaurante familiar, na conversa interrompida por gestos e gargalhadas, que a cultura se revela.

Somos criaturas simbólicas, como dizia Clifford Geertz, e “a cultura não é um poder, algo a que se possa atribuir causalidade; é um contexto, algo dentro do qual o comportamento pode ser inteligivelmente, ou ao menos tentativamente, descrito.” É preciso, então, mais do que ver: é preciso decifrar, duvidar, sentir-se desconfortável.
Há quem diga que a viagem nos transforma. Talvez. Mas o mais honesto seria dizer que a verdadeira viagem nos desmonta. Leva embora nossas certezas, os clichês com os quais pensamos o mundo e nos obriga a reconstruir o olhar. Como diria Montaigne, “Viajar serve para conhecer as gentes e para aprender a viver entre elas.”
E se for inevitável parecer um pouco patético no processo, tanto melhor: há uma nobreza quase aristotélica em perder-se por uma cidade estrangeira tentando encontrar um café que só existe no Google Maps da sua imaginação. O riso que surge dessas situações, leve e autêntico, é um dos mais universais atos de comunhão.

Por fim, a cultura não se consome, cultiva-se. Em um tempo de selfies e check-ins, ser um viajante autêntico é um ato quase subversivo. É dizer “não” ao itinerário previsível e “sim” à dúvida, à demora, ao improviso. Ao encontrar a poesia escondida em um mural descascado, ou no som de uma língua que você não entende, mas sente.
Afinal, não se viaja para ver o mundo como ele é, mas para reencontrá-lo como ele poderia ser. E talvez, só talvez, para lembrar que no fim das contas, todos nós somos estrangeiros tentando entender o cardápio da existência.
Por Márcio Nunes – CAO na SMI.