O projeto multimídia de escuta sensível “O mundo que sei” dá voz a crianças de 6 a 13 anos para entender como elas veem e explicam o mundo.

“O mundo que sei” é um projeto da antropóloga Adriana Friedmann, que reuniu a perspectiva de 23 crianças de diferentes faixas etárias e classes econômicas. Por meio de dinâmicas interativas e brincadeiras envolventes, meninos e meninas refletiram, responderam e questionaram diversos temas do mundo atual, abordando assuntos como meio ambiente, diversidade, violência e saúde mental.
O projeto se baseia em uma pesquisa aprofundada que ouviu 170 crianças do estado de São Paulo, organizando as descobertas em nove grandes temas: “Um mundo por vir,” “O mundo de onde eu vim,” “Um mundo de afetos,” “O mundo de dentro,” “O mundo do outro,” “O mundo que eu aprendo,” “O mundo pra lá das telas” e “Um mundo violento.” Cada grupo reflete o que as crianças expressam, o que seus familiares relatam e o que os dados quantitativos revelam sobre esses assuntos, proporcionando uma visão abrangente de como as crianças vivenciam e interpretam diferentes aspectos do mundo atual.
Das 170 crianças participantes da pesquisa inicial, 23 foram selecionadas para integrar o projeto multimídia, que desenvolveu seu conteúdo a partir dessa investigação e das próprias falas das crianças. O projeto está disponível em uma série de nove episódios em vídeo no Youtube — um para cada grupo temático — e também comopodcast no Spotify. Além disso, o projeto conta com uma página no Instagram, @omundoquesei.

Um mundo por vir
As crianças refletem sobre o futuro do planeta, abordando questões como mudanças climáticas, desigualdade social e violência. Expressões que criticam o excesso de poder e ganância surgem frequentemente, surpreendendo pela profundidade vinda de quem está apenas começando a vida. Elas também acreditam que a maior parte dos problemas atuais é resultado das ações humanas e demonstram uma forte preocupação em contribuir para a melhoria desse cenário.
“Eu colocaria a aldeia e a cidade junto porque, aí, ninguém mais brigaria por terra.” — Menino, 8 anos.
O mundo de onde eu vim
O tema de família e sociedade levanta questões essenciais, como a importância de uma boa convivência e a inclusão de diferentes configurações familiares. Entre os participantes, há meninos e meninas criados por pais, avós, ou que não conhecem o pai, cada um refletindo sobre o que família significa para eles. Essas falas desafiam e ampliam o entendimento da estrutura familiar tradicional, promovendo uma visão mais inclusiva e diversa.
“Eu acho que, para mim, o que é bom sobre família é que são pessoas que, se você tem um bom relacionamento, você consegue contar para muitas coisas porque conhece a maior parte da sua vida ou até a sua vida inteira” — Menina, 12 anos.
Um mundo de afetos
O terceiro episódio traz conflitos de relacionamentos, sejam eles amorosos, familiares ou de amizade. Temas como bullying, brigas e dificuldades no convívio escolar são comuns nesse tópico, além de primeiro amor e até o primeiro beijo.
“Muita gente já me chamou de fraco, de magro. Agora que eu cresci e sou bom em esportes, as pessoas conseguem me respeitar e achar que eu sou uma pessoa boa.” — Menino, 12 anos.
O mundo de dentro
A saúde mental é uma preocupação presente em todas as idades, e as crianças demonstram plena consciência desse tema. Solidão, falta de interação social, ansiedade e depressão são questões levantadas até mesmo pelos mais jovens, revelando um entendimento precoce dessas dificuldades. Além disso, os efeitos remanescentes da pandemia ainda impactam a saúde mental de algumas dessas crianças.
“A vida é alegria, mas também é tristeza.” — Menino, 7 anos.
O mundo do outro
A luta contra a discriminação e os preconceitos também inclui as crianças, que estão cientes quando são vítimas de ataques e sabem o que é inaceitável fazer ou dizer. Machismo, racismo e homofobia são temas que surgem com força, mesmo que alguns pais ainda acreditem que elas estejam imunes a sofrer preconceitos.
“Machismo é injustiça porque os homens tratam as mulheres mal.” — Menina, 8 anos
O mundo que eu aprendo
Qual é o papel da escola e o que as crianças desejam e precisam aprender atualmente? A escola vai além de ser um mero espaço de aprendizado; é um ambiente de convivência, reflexão e troca de experiências. Hoje, não é mais o único lugar onde as crianças adquirem conhecimento; a internet se tornou uma fonte primária de curiosidade e aprendizado. Portanto, a tecnologia deve ser vista como uma aliada no ambiente escolar.
“Não sei se tem um jeito que [a escola] deveria ser mas eu acho que poderia ser um pouco mais interativa. Tipo, eu não gosto muito de aulas que os professores só ficam escrevendo coisas na lousa, que a gente tem que copiar, porque eu acho que eu não aprendo tanto assim.” — Menina, 12 anos.
O mundo que me cerca
Crianças que vivem em apartamentos muitas vezes sentem medo da vida “lá fora”. A falta de contato com a natureza, o excesso de violência e a insegurança são fatores que impactam sua saúde emocional. A infância não deve ser confinada, mas, ao mesmo tempo, deve proporcionar um ambiente seguro em que as crianças possam explorar e se desenvolver plenamente.
“[Eu tenho medo de] ficar num lugar escuro, se afogar, ser roubada…” — Menina, 8 anos.
O mundo pra lá das telas
Estamos cada vez mais conectados, e as crianças não ficam de fora dessa realidade, muitas já nascem fascinadas por celulares e iPads. Enquanto alguns pais impõem restrições ao uso de telas, estabelecendo limites de horas diárias, idades mínimas ou horários específicos para desconectar, eles também reconhecem a importância de aproveitar as vantagens da tecnologia. O ambiente virtual oferece uma rica fonte de entretenimento e aprendizado, desafiando os adultos a encontrarem um equilíbrio saudável entre o uso da tecnologia e a interação no mundo real.
“Uma coisa bem diferente no jogo é que você renasce. Você morre e, quando você morre, ao invés de cair torto, na maioria dos jogos, seu corpo se desmonta. Seu braço, sua cabeça, seu outro braço e suas pernas saem. Na vida real, você não renasce, ou renasce numa vida que a gente não sabe.” — Menino, 9 anos.
Um mundo violento
A violência permeia a vida das crianças de diversas formas, seja por meio de histórias familiares, castigos ou até mesmo no ambiente escolar, manifestando-se verbalmente e através de preconceitos, racismo e discriminação. Esse tópico explora como as crianças percebem e vivenciam a violência, revelando suas reflexões e sentimentos sobre essas experiências impactantes.
“Violência é tanto agressão física como verbal, que pode machucar por dentro da pessoa ou por fora. A agressão também pode machucar os sentimentos. Aí a pessoa pode se sentir triste.” — Menino, 12 anos.
Aprendizados e reflexões
Um dos aspectos mais tocantes do projeto é a forma como as crianças refletem sobre seu cotidiano, trazendo à tona questões como a ausência dos pais, a falta de tempo livre para brincar e outros anseios que, muitas vezes, não compartilham com muitas pessoas. Segundo Adriana Friedmann, o projeto evidencia a preocupação das crianças com o mundo que os adultos estão deixando para elas.

Ouça o Podcast O mundo que sei no Spotify.
Assista à série no YouTube.
Por Verônica Lira — Marketing Analyst na SMI.